A Itália é foda. Ponto. Não basta toda aquela fartura de comida e bebida boa, nem aquelas paisagens de te fazer gritar de tão lindas: ir para lá é certeza de boas e ótimas risadas. O mérito todo é do povo italiano, que te surpreende a cada momento. Essa é, sem dúvidas, a cereja (maraschino, claro!) do bolo. São trocentas situações que te pegam no pulo, a todo momento. Mas, uma vez que você aceita a sua lógica, você entende porque a Itália é assim, tão foda. E a partir daí, tudo fica mais gostoso.

Isso só rolou comigo no quarto dia que eu estava no país. Tinha terminado uma tarde na Toscana vendo um lindo pôr do sol em Siena. Cidade agradabilíssima que, infelizmente, vi com muita pressa. Era mais de 19h e os outros daytrippers, como eu, já haviam abandonado a cidade - a maioria, como eu também, rumo à Firenze.

Preocupada com o horário do último ônibus, saí meio que correndo rumo a algum terminal. E, pela primeira vez nesta viagem percebi que a Italia é confusa pra danar e  que as sinalizações nem sempre estão lá - ou, muitas vezes, só querem fazer uma pegadinha bem da marota contigo. Rodei em falso pela cidade tombada um pouquinho e, em determinada hora, alcancei o tal terminal. Ah, a Itália...tudo é confuso mas, no final, dá tudo certo. Não sabia se era aquele o lugar correto, mas preferi assumir que sim. Vi uma daquelas máquinas de auto atendimento, fui apertando botões, ela pediu dinheiro, eu dei, ela mandou eu confirmar, assim eu fiz, e daí ela imprimiu o ticket. Não sabia direito que raios de ônibus era nem aonde o pegava - muito menos o horário, mas fazer o quê? Melhor tê-lo em mãos do que nada.

Enfim avistei um ônibus escrito FIRENZE. Entrei.

- Questo a Firenze?, perguntei
- Si, ma non e’ questo!
- MA QUAL? (percebam o meu italiano fueda demais)
- NON QUESTO!

Não me perguntem como, mas eis que surge um cara me puxando para fora do ônibus, de volta à plataforma. Ele gesticula com as mãos e fala e fala e fala e fala e me aponta outro ônibus.

- Questo a Firenze?
- SI SI ANDIAMO! ANDIAMO!

Sabe lá, melhor não contrariar. Entrei no novo ônibus - sem qualquer sinalização e, após me empurrar pra dentro, o sujeito some. Dou de cara com o motorista, recém saído de uma comedia italiana.

- A FIRENZE! FIRENZE, PIU BELLA! SIENA, BAAAAA!

Belezona, tô no lugar certo.  Abri um sorrisão e fui entrando, mas um cara atrás de mim - não tão seguro quanto eu ou o motorista me cutuca:

- this one, Florence?
- yep, Florence!
- sure?
- sure, the guy here just...

é claro que o motorista não conteve seu orgulho fiorentino.

- A FIRENZE! FIRENZE, PIU BELLA! FIRENZE, ANDIAMO!

Daí que a insegurança bateu forte no cara.

- no Firenze. I go to Florence.
- FIRENZE! ANDIAMO A FIRENZE! IL DUOMO! UFIZZI! DAVID!

O cara era realmente desconfiado.

- i dont go Firenze. i go Florence.

Tá, ele era meio burro também. Perdi a paciência.

- FIRENZE IS FLORENCE, SAME CITY. THIS IS THE RIGHT BUS.

O motorista também já estava meio irritado com aquela desconfiança toda - ou talvez só ofendido com a ignorância do sujeito. Ele não pensou duas vezes e nos pegou pelo braço e nos jogou pra dentro do ônibus. Naquela altura já tinha aceitado isso como um costume local e nem reagi.

- A FIRENZE, CATZO! FLORENCE, BAAAA! FIRENZE ECCO ECCO!

O ônibus partiu e o cara começou a suar frio. Perguntou para mais gente lá dentro, mas a essa altura o motorista nem o escutava mais, porque estava ocupado demais xingando o cara para os seus conterrâneos. Non parlo italiano, mas era algo como

- MA CHE! MAS ME ATRAVESSA O MUNDO O SUJEITO! O MUNDO! E NEM SABE O NOME DA CIDADE QUE ESTÁ! MAS FAZ O QUE AQUI, FAZ O QUÊ? DEVERIA TER FICADO EM SIENA, SÓ O LEVO PRA FIRENZE PQ FIRENZE É MAIS BONITA. 

O finzinho de tarde na estrada foi muito lindo. A Toscana realmente tem algo especial, as cores e os morros e as árvores pontudas...aquilo é único.

Eis que o ônibus começa a se aproximar de Firenze e algumas pessoas já pedem para descer em alguns lugares. O motorista, empolgado por estar próximo de sua cidade do coração, pára para todos. E é claro que a empolgação se estendeu ao gringo desconfiado, que resolveu fazer o mesmo. E é mais claro ainda que o motorista não gostou nenhum pouquinho.

- We in Florence?
- NO! NO FLORENCE!
- But i see, my map.
- SIT! WAIT!

Provavelmente o sujeito pensou que Firenze não era o ponto final do ônibus. Em pé e na porta, o desespero falou mais alto.

- I WANT FLORENCE.
- NO!

O celular do gringo toca. O motorista, mais irritado do que nunca, liga o som no último volume. Está tocando Corazon Espinado do Santana na radio. O gringo tenta se comunicar com o amigo no celular. O motorista, que domina espanhol tanto quando eu (ou o o gringo) dominamos italiano, começa a cantar.

-AAAAAAAA CORAZON ESPINADO AAAAAAAAAAAAA CORAZONNNNNNNNN A FIRENZE!11

Coisa de louco. A música tinha acabado e outra se iniciava, e o Santana continuava firme e forte na boca do italiano. Finalmente, o busão para na Estação Santa Maria Novella e, mais do que finalmente o gringo respira tranquilo. Ele deve ter reconhecido o território, mas AINDA não está tão convencido assim. Desco, atravesso a rua e sigo meu rumo. Ele vem atrás e me cutuca.

- Here is Florence, right?
- No, man - eu digo. Here is Firenze =)))))

Parede de uma ruela em Siena. Toda a cidade respira o Palio, uma corrida de cavalos que ocorre anualmente, desde a Idade Média, na praça central da cidade.
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