Um ano novo surreal em Cuba


  Cuba, Alaska, Santiago de Cuba, Trinidad  18804 visualizações

Por mais que a gente pesquisasse, lesse, assistisse filmes e perguntasse aos amigos que ali estiveram, a viagem a Cuba ainda estava cercada de muito mistério. Entramos no avião Tupolev russo com muitas dúvidas sobre o que nos esperava na ilha. Desembarcamos em Havana no dia de Natal e fomos recebidos no casarão número 28 da Calle Cristo pela Nancy e o Viamontes, casal com uma hospitalidade inesquecível. Inundamos os dois com muitas perguntas, mas essencialmente nos interessava saber como passavam o Ano Novo lá. Não sabíamos se a virada era comemorada com cataratas de Rum ou singelamente assistida pelas famílias como mais um dia que se encerrava para dar lugar a outro.

Se nos recomendavam sair para a rua? Sim, mas que tomássemos cuidado com os ovos. Sim, ovos. É tradição passar um ovo cru pelo corpo, limpando as más energias, e depois arremessá-lo à rua para que estourasse as mazelas e as gemas no chão, nos explicou atentamente Nancy. Depois de uma deliciosa ceia, por volta das dez da noite, nos aventuramos a céu aberto naquela noite de 31 de dezembro. Na caminhada rumo à praça do Capitólio, onde pegaríamos um táxi, eu entendi o porquê do cuidado que nos foi recomendado. Vivemos algo próximo de estar sob ataque aéreo: uma verdadeira chuva de ovos anunciou que aquela noite não seguiria nenhum script. A sorte nos acompanhava e não fomos atingidos por nenhum ovo na cabeça, mas sobraram alguns respingos de gema nas nossas roupas. Nada grave.

Arthur Chacon e Sophia Reis adicionou foto de Cuba,Alaska,Santiago de Cuba,Trinidad Foto 1

Nossa primeira parada foi em um casarão antigo, indicação de um taxista que nos prometeu levar a um típico bar “de cubanos”. Decorado com serpentinas no seu exterior, parecia que ali aconteceria uma grande festa. Um banner com uma foto em média resolução anunciava a atração da noite: “Wil Campa y su orquesta en una noche inolvidable”. O salão levava uma mistura de carnaval de cidade do interior com festa de formatura dos anos 80: cortinas brancas rendadas com laços no topo, fitas sintéticas coloridas nas mesas e cadeiras, uma bexiga gorda no teto que em algum momento estouraria e jogaria em nós alguma coisa. Um mestre de cerimônias intervinha periodicamente na música de fundo aguçando a expectativa do público. No palco, instrumentos sugeriam uma grande banda e ao fundo um cronômetro saltitava no telão contando os minutos regressivamente.

A voz grave do mestre contou os aguardados últimos dez segundos do ano, seguido da explosão da bexiga gorda. Uma chuva de balas, doces e animais feitos com bexiga caiu em nós, que ríamos e celebrávamos o Ano Novo com mais dois amigos. Um estouro interrompeu a celebração e jogou o foco sobre o palco: quinze homens vestidos com sobretudo azul e máscara (aquela do V de Vingança) iniciaram uma coreografia de breakdance, que de maneira mirabolante se encerrou com cada um postado no seu instrumento. Uma salsa frenética anunciou a entrada do Wil Campa, um homem baixo e queimado de sol, com pinta de ex-galã, que nos desejava feliz ano novo e prometia esquentar o ambiente com muita música. Fazia uns 35 graus.

Depois de dançarmos não totalmente à vontade naquele ambiente surreal, se bem que embalados pelos daiquiris e margaritas perigosamente baratos, resolvemos sair à rua. Pegamos um táxi rumo ao Hotel Nacional, pois alguém havia nos dito que algo estava acontecendo lá. Não estava. O gramado do hotel, que fica no topo de um morro, tem uma bela vista para o mar, e naquele momento tinha um clima de pós-festa. Os turistas abastados já estavam recolhidos, mas suas bebidas permaneciam nas mesas. Usufruímos da situação e montamos um pequeno bar “reciclado”, desfrutando daquele ar glamuroso decadente que o prédio exala. Da nossa mesa era possível ver o Malecón, a orla rochosa que beira a parte mais nova de Havana.

Avistamos lá embaixo um grupinho de pessoas tocando violão e resolvemos descer. A alguns passos deles, começamos a ouvir um coro semi-embriagado cantando “E eeeeuuu, gostava tanto de vocêêêê”. Estávamos afetados pela sequência de fatos inacreditáveis que já havia acontecido naquela noite e a música nos acolheu com o conforto do lar. Caminhamos animados em direção a eles, já cantando Tim Maia abraçados e dançando. Lembro que a Sophia apertou meu braço e me perguntou ao pé do ouvido: “É o Raí?”. Nossa noite ganhava um novo elemento surpresa! O tetracampeão, jogador, filantropo e mundialmente famoso Raí estava curtindo seu Ano Novo na orla de Havana, cantando numa rodinha de violão e tomando cerveja quente.

Arthur Chacon e Sophia Reis adicionou foto de Cuba,Alaska,Santiago de Cuba,Trinidad Foto 2

Claro que a gente foi falar com ele. Simpático como ninguém, nos contou sobre sua viagem pela ilha, apresentou-nos sua namorada, seus amigos (que acabara de conhecer), compartilhou da sua cerveja quente conosco. Perguntei se aquelas pessoas sabiam quem era ele. Ele levou o dedo indicador à boca, pedindo meu silêncio, que foi respeitado. Desfrutava do anonimato com toda a alegria. Passamos algumas horas cantando, conversando, bebendo e curtindo aquele Réveillon que nem acabara mas já era histórico.

Nossa viagem por Cuba seguiu por mais 20 dias. Cruzamos a ilha até Santiago, fomos na Sierra Maestra, andamos à cavalo em Trinidad, dançamos e curtimos a belíssima Baracoa...Tudo muito gostoso, mas chegou a hora de voltar. Chamamos um táxi na Calle Cristo número 28, nos despedimos da Nancy e do Viamontes, pusemos a bagagem no porta malas e indicamos ao motorista o aeroporto. Conversa vai, conversa vem, o cara se revela um grande conhecedor e admirador do futebol canarinho. Lançou mão de todo seu repertório: escalou a seleção de 1970 e de 1982, lembrou causos das copas do mundo, falou do Garrincha, do Neymar. Fez questão de nos mostrar que levava na carteira a escalação brasileira para a Copa de 2014 e, apesar do nosso fracasso retumbante, conservava o documento, como quem quer viver congelado no momento que antecede a tragédia. Então, disse com uma seriedade solene, “mas há um jogador que está acima de todos e esse cara é o Raí. Que jogador!”.

Eu e Sophia nos olhamos, nos sentindo teletransportados para o nosso ano novo, como se faltasse aquela peça pra encerrar nosso dia, inaugurado vinte dias antes. Depois de rir um bocado, abrimos o jogo pro taxista, que quase bateu o carro ao descobrir que seu ídolo pisava o mesmo solo que ele. “Raí en la isla!”, “no creo!”, “por Dios!”, exclamava esbaforido, tentando se manter apto a dirigir, suando frio. Nos contou que o filho chamava Raí e a filha Ria (anagrama de Raí), que seguia os passos do ex-jogador, que jogava bola inspirado nele. Um verdadeiro devoto! Nos despedimos do Rafael no aeroporto com a sensação de deixar pra trás um lugar muito especial, com a certeza de que iríamos voltar pra desfrutar mais uma vez da magia que aquela ilha caribenha tem! Hasta luego, Cuba!

Preparar uma viagem, pesquisando sobre a história, os costumes e a cultura de um lugar, é essencial para você curtir ao máximo e gastar o mínimo na estrada. Nosso projeto, Caudalosa América, exigiu uma preparação de quase 2 anos. São várias medidas e precauções que tomamos pra tentar evitar percalços e situações delicadas. Mas se jogar no acaso, mergulhar na surpresa, é o impulso que nos move a sair por aí num carro rumo ao Alasca. Que venham novas chuvas de ovos, salsas malucas, encontros misteriosos e lugares incríveis!

 Acompanhe nossa aventura no "Meu diário"

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COMENTÁRIOS:

Raquel  Martins de Andrade

Raquel Martins de Andrade comentou 8 anos atrás

Woowwwww.. demais!

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