7 dias de Solimões
Dia 1
Seis horas da manhã. O plano era chegar cedo ao porto e pegar uma lancha que percorreria os 1.600 km de rio Solimões até a cidade de Tabatinga, na fronteira com o Peru e a Colômbia. Dois dias cercados pela água. Àquela hora, as pessoas de Manaus ainda saíam de casa para trabalhar, ônibus começavam a tomar as ruas e o calor já era insuportável. Talvez para sentir um pouco de terra firme antes de enfrentar a longa viagem, fomos caminhando até o porto.
Péssima ideia.
Numa chegada cinematográfica de mau gosto, assim que pisamos na margem do rio, vimos nossa lancha já a alguns metros de distância, navegando pelo oceano de água doce. De mãos abanando, não nos restou outra opção. Teríamos que pegar um recreio ( tipo de barco grande, com um vão central, onde todos amarram suas redes de dormir) até a cidade de Tefé, no meio do caminho. Dois dias de viagem só pra isso, e dali se virar.
Compramos passagens e redes. Como o barco não tem ganchos, arrematamos também pequenos pedaços de corda para amarrar nossas futuras camas no teto. Foi patético: homem barbado, demorei mais de 40 minutos para pendurar uma mísera rede torta, enquanto crianças riam ao fazer isso com os pés nas costas, em segundos, com a precisão de um xamã.
Dia 2
Dormir no recreio é impossível, não existe posição confortável na rede. Quando finalmente tudo parece se acalmar e o sono começa a vir, um dos vizinhos se mexe e provoca um efeito dominó que faz todos balançarem --isso quando um deles simplesmente não chuta sua cabeça.
Pontualmente às 20h, as luzes do barco são apagadas. Só as estrela, a lua e uns insetinhos iluminam o breu. Sem saber do horário e sem relógio, achamos que era hora de dormir. Acordamos às 3h, no escuro da madrugada, sem sono e procurando o café da manhã.
O nascer do sol, porém, compensa. É de tirar o fôlego. Àrvores, pequenas casas e pássaros de todos os tipos misturam-se às cores da floresta nas duas margens. O cheiro é de mato molhado. De vez em quando, um boto coloca as nadadeiras para fora. Sempre devagar, o barco produz ondas simétricas que se chocam com os infinitos troncos que boiam na água.
Depois do almoço, servido no barco e incluso na passagem, uma menina de sete anos puxou conversa. “Você não é daqui, né?”. Quando contei que era de São Paulo, ela disse: “Percebi. Você demorou muito para amarrar a rede”. E deu uma gargalhada com dentes faltando.
Dia 3
Pior que dormir é tomar banho. A cabine é minúscula e consegue ser uma estufa mais quente que os 40ºC do lado de fora. Balançando de um lado para o outro e sem lugar para apoiar xampu e sabonete, a ducha é desafio para malabaristas. A parte boa é a água gelada, que vem do rio. Se não fosse o suor que gruda na pele, poucos enfrentariam a experiência.
Chegamos a Tefé ao meio dia. Depois de tanta água, era bom pisar em terra firme de novo. Passageiros desembarcavam de tudo no porto: roupas, camas e até geladeiras ganhavam as ruas da cidade. Descobrimos que nosso próximo barco, desta vez para Santo Antonio de Içá, sairia em dois dias. Pouco importava o atraso no planejamento. Finalmente dormiríamos em uma cama de verdade.
Dia 4
O mercado público de Tefé é um amontoado de frutas amazônicas coloridas e cabeças de gado. É uma 25 de março amazonense.
Dia 5
O segundo barco era uma lancha, sem espaço para pendurar redes ou lugar para tomar banho. Por excesso de pessoas, fui colocado numa área aberta, sem lugar para apoiar as costas. A sensação era a de estar no meio de um pequeno ciclone, graças ao vento forte do lugar somado à velocidade da embarcação. Doze horas de tortura amazônica.
Para compensar, ao chegar em Santo Antonio do Içá, nossa última parada antes de Tabatinga, fomos a uma festinha. Meninas desfilavam de minissaia e dançavam ao ritmo de Bonde do Tigrão. A maior parte delas menores de idade. Foi aí que conhecemos Maria. Com traços indígenas muito fortes e 14 anos na meia arrastão rasgada na coxa, ela não parava de repetir que, por aqueles lados, são as meninas de 12 anos que oferecem sexo. “As de 20 estão casadas e com filhos”, falava. Seu sonho era casar e sair da cidade.
Dia 6
“Não aguentamos mais ficar aqui. A cidade é muito pequena, nada acontece. Acho que já comemos todas as mulheres”, contou um policial militar que foi transferido para Santo Antonio do Içá para combater o tráfico de drogas.
Dia 7
O peito ficou pesado. Era o nosso último trecho de Solimões. Finalmente pegaríamos um barco para chegar em Tabatinga. Pesado, sim, mas feliz. Misto de alívio e alegria por ter perdido a lancha de Manaus, aprendido a amarrar uma rede no barco e percorrer um dos rios mais importantes do país.
Por Bruno Molinero
- - - -
Se você curtiu esse texto, ficaria extremamente feliz se pudesse dar um nele aí embaixo ou compartilhar com seus amigos!
COMENTÁRIOS:
Oldwoman Passing By comentou 9 anos atrás
Legal, Bruno. Bela experiência, obrigada por compartilhar. Nada como saber mais sobre o nosso próprio país.