Não faz muito tempo que conheci uma cigana. Na verdade, até agora não sei se a conheci ou se sonhei com ela. Mas, independentemente se no mundo real ou surreal, o importante foi a conversa que tivemos. Foi uma viagem.

Como olhos redondos e escuros, permeados por uma fina camada de mel, ela olhava diretamente para mim me fazendo rir à toa. Apenas com o olhar ela produzia um efeito em mim semelhante ao de estar apaixonado. Ou de tomar uma pílula de Ecstasy. Ou de aproveitar um dia de sol e céu azul em uma praia paradisíaca. A cigana me fazia rir à toa, abobado, como um adolescente que começa a descobrir os prazeres da vida. Mas faz tempo que não sou mais adolescente. E faz tempo que descobri os prazeres da vida.

Ela começou a me contar suas histórias da Estrada. Contou sobre os lugares do mundo por onde passou. Contou histórias de amor, diversão e luta. Contou sobre sua vida errante. E, contando tudo isso, me fez sonhar dentro do que eu não sei ao certo se foi um sonho ou não.

As histórias da cigana me levaram ao meu passado. Me levaram para dias que eu vagava livremente guiado pela minha própria sorte. Eu chegava a lugares totalmente desconhecidos quando queria e ia embora deles quando sentia vontade. Todo dia vivia algo novo, conhecia alguém novo e descobria algo novo. Eu aproveitava tudo o que a vida tinha a me oferecer e mais um pouco. Eu não tinha nada, mas tinha tudo. Sem casa, carro, dinheiro, família, trabalho ou namorada, eu tinha a Estrada debaixo dos meus pés, o céu em cima da minha cabeça e na minha frente não faltava nada. Do mesmo jeito que não faltava na vida da cigana.

Conforme conversávamos, vi que já nos conhecíamos. Ela era minha ex-namorada. Ou melhor, uma junção das minhas ex-namoradas. Tinha a pele bronzeada da Carmen, por quem fui perdidamente apaixonado no meu primeiro mês em Ibiza. E tinha os lábios carnudos e pernas torneadas da Vanilla, por quem fui perdidamente apaixonado no meu último mês em Ibiza. A musculatura da sua barriga era perfeitamente desenhada como da Marcelle, com quem fiquei durante os Jogos Olímpicos no Rio. Os cabelos cacheados e cheios eram muito parecidos com os da Mônica, que me ensinou a ser turista na minha própria cidade quando voltei para São Paulo. O sorriso branco com arcada apertada era definitivamente igual ao de uma grega com quem tive um encontro perfeito em Atenas. E a altura era a mesma de uma italiana baixinha que me deu colo e aconchego quando eu estava deprimido na cinzenta Londres. Só os olhos que eu não conseguia reconhecer. Olhos redondos e escuros, permeados por uma fina camada de mel, que me mostravam o mundo pelo olhar de alguém que já conheceu muito dele.

Quando percebi que já conhecia a cigana, percebi o por que me sentia daquele jeito perto dela. E percebi que o sentimento não era de estar apaixonado, drogado ou pleno. Era de nostalgia. A cigana me fez reviver minha vida de viajante, que infelizmente tive que deixar de lado por um tempo. Ela era um belo sonho que veio me despertar da minha vida de trabalho, estudo e casa. Ela me fez ver que eu vou colocar uma mochila nas costas de novo e sair perdido pelo mundo.

Agora, estou me preparando para isso. Apesar do meu coração gritar para eu me jogar de uma vez, a vida me ensinou que fazendo isso eu posso cair de mal jeito. Então, estou fazendo uma pós-graduação que me ensine algo muito maior do que ganhar dinheiro. Estou indo na academia, não para ficar com a barriga tanquinho, mas para deixar os ombros mais fortes para carregar o peso que for na mochila. Estou trabalhando e juntando dinheiro para deixar para minha família e poder comprar uma passagem de avião para o outro lado do mundo. E faço isso tudo com um sorriso enorme no rosto porque agora sei de uma coisa: um dia eu vou partir!

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